VBAC ou “vaginal birth after c-section” é uma sigla para se referir a partos vaginais em uma mulher que já teve uma cesariana. Quando queremos nos referir a mulheres que tiveram parto normal após mais de uma cesariana escrevemos VBA2C para duas cesarianas e VBA3C para três e assim por diante.
Esse tema é muito importante e frequente atualmente quando estamos (ainda bem) vivendo uma maior procura das mulheres pelo parto normal, vaginal e natural. E fica a dúvida:
É seguro um parto vaginal após uma ou mais cesarianas?
Houve um tempo em que a medicina questionou: “uma vez cesariana, sempre cesariana” (1). Isso é verdade?
Quando avaliamos a possibilidade de partos vaginais após cesariana a preocupação que temos é se esse útero, que já tem uma cicatriz, ao ser submetido às contrações uterinas durante um trabalho de parto, poderia romper no local dessa cicatriz, o que é conhecido como rotura uterina. A rotura uterina, apesar de ser algo muito raro, é grave podendo acarretar consequências irreparáveis para a mãe e para o bebê, inclusive, óbito. Quando queremos comparar duas condutas em uma situação médica, avaliamos quais são os benefícios e os malefícios para cada uma dessas abordagens e analisamos os riscos.
Ambas as situações em uma gestação após uma cesariana possuem riscos: tanto a tentativa de um parto vaginal, quanto a realização de uma nova cesariana em um útero previamente operado. A gestante deve ser orientada de forma clara e sem julgamentos sobre essas situações para tomar sua decisão. Vale dizer que tudo na medicina e na obstetrícia tem riscos. Engravidar tem riscos, transar tem riscos, cesariana e parto normal tem riscos. Avaliar esses riscos e ver o que faz mais sentido para você e quais deles você está disposta a arcar com é o que deve acontecer no pré-natal para uma decisão consciente.
A rotura uterina é um evento que pode ocorrer em úteros que nunca tiveram cesarianas, ou seja, em uma primeira gravidez, mas é algo muito raro, que ocorre em torno de 3,3 em 100.000 gestações (7). Esse risco aumenta um pouco quando falamos de úteros que já possuem uma ou mais cesarianas e estão passando por um trabalho de parto. Existem vários estudos com diferentes números, mas, na média, o risco de uma rotura uterina em um parto vaginal após uma cesariana é 0,5% e após duas, cerca de 1,36% (2).
Quando partimos para a avaliação de mais do que 2 cesarianas anteriores, ou mesmo duas, temos pouquíssimos estudos devido à maior raridade desse evento, principalmente pelo fato que muitos profissionais e serviços médicos nos últimos 40 anos não permitiam que essas mulheres entrassem em trabalho de parto.
Hoje em dia, com o movimento da obstetrícia baseada em evidências e a humanização do parto, estamos questionando certas “verdades” que não possuem embasamento científico comprovado como essa de que: “o melhor para uma mulher que já tem uma cesariana, seria uma nova cesariana”.
Para avaliar esse cenário, também temos que pensar quais são os riscos de uma nova cesariana em um útero já operado, ou seja, repetidas cesarianas. Quando uma mulher se submete a repetidas cesárias ela está exposta a um maior risco de acretismo placentário, placenta prévia, gestação ectópica, hemorragia pós-parto, transfusão de sangue, necessidade de UTI materna pós-parto, necessidade de intubação materna pós-parto, histerectomia (retirada do útero), infecção, lesão de órgãos internos como intestino e bexiga e aumento do tempo de internação no hospital (3). Esses riscos são progressivamente maiores quanto maior for o número de cesarianas (3,4), a segunda é mais grave que a primeira e a terceira é mais grave que a segunda, assim por diante. Conhecendo esses riscos da cirurgia cesariana em si, que aumentam com repetidas operações, o desejo de gestar no futuro deve ser levado em conta na escolha da via de parto, inclusive no primeiro nascimento. Pessoas que desejam ter mais do que um filho devem sempre ter em mente que uma cesariana no primeiro parto é responsável por um aumento de risco de morbidade materna nas próximas gestações.
Estudos que compararam os desfechos dos bebês que nascem de um parto normal após uma cesariana ou de uma nova cesariana não mostraram diferença na mortalidade neonatal ou morbidade grave (5), mas mostraram que os recém-nascidos que nascem de cesariana têm maior chance de ter desconforto respiratório (como em qualquer parto por cesariana fora de trabalho de parto). No caso de mais de uma cesariana prévia não existem estudos conclusivos.
Outro ponto que devemos levar em consideração é que um parto vaginal após uma cesariana, depois da análise completa da literatura médica, é considerado com menores riscos para a mãe e para o bebê do que uma cesariana eletiva (fora de trabalho de parto), mas nos casos em que é tentado o parto vaginal e no meio do processo é necessária a realização de uma cesariana de emergência, intraparto, estatisticamente os riscos são maiores do que uma cesariana eletiva. Então parto vaginal após cesariana é melhor que cesariana fora de trabalho de parto, mas a cesariana fora de trabalho de parto é melhor do que a cesariana de emergência (6).
Optado pelo parto vaginal após a cesariana, qual a taxa de sucesso desse processo? Quantas mulheres que tentam o parto vaginal após uma cesariana conseguem, de fato, um parto vaginal?
A maioria dos estudos mostram uma taxa de sucesso entre 60 – 80% (72 – 75%) para mulheres com uma cesariana anterior. Quando avaliamos o sucesso após duas ou mais cesarianas temos uma taxa próxima à esse número de apenas uma cesariana prévia, 71% (2).
Dentre a população de gestantes, existem alguns fatores que aumentam essa taxa de sucesso como partos normais anteriores e partos espontâneos (não induzidos). A presença de um ou mais partos vaginais anteriores, inclusive, confere uma taxa de sucesso de 85 – 90% de um parto vaginal após uma cesariana e diminui o risco de rotura uterina. Por outro lado, idade materna mais avançada, idade gestacional maior que 40 semanas, cesariana anterior indicada por distócia de parto, intervalo interpartal curto, obesidade, macrossomia, pré eclampsia são fatores de risco que podem atrapalhar o parto vaginal após uma cesariana. Isso não quer dizer que essas condições contraindiquem a tentativa!
Quem são as gestantes que são candidatas a uma tentativa de parto vaginal após cesariana?
Gestantes que entendam os riscos e benefícios desse processo e, junto com a equipe assistente decidam por esse caminho. Particularmente as mulheres com uma cesariana anterior, apenas, devem ser orientadas e ter essa possibilidade oferecida visto que os benefícios maternos e fetais já estão estabelecidos na literatura médica! Essas mulheres não podem ter, claro, contraindicações ao parto vaginal nessa gestação.
Quais são as condições necessárias para que seja realizada a prova de trabalho de parto em uma mulher com cesariana anterior?
Várias associações no mundo e o Ministério da Saúde (2016), indicam que esse trabalho de parto, pelo pequeno aumento do risco de rotura uterina, deve ser realizado em local onde é possível realizar monitorização dos batimentos do bebê durante o trabalho de parto, e onde a cesariana, se necessária, é possível de ser realizada de forma rápida. Por isso a maioria das equipes indica realização desse processo no hospital. Além disso, a equipe assistente deve estar preparada e ser apta a realizar uma avaliação materna e fetal adequada que possa identificar, o quanto antes, possíveis complicações.
Concluindo
a tentativa de um parto vaginal após uma ou mais cesarianas, é, sim, uma possibilidade respaldada pelas evidências científicas atuais. A gestante deve ser orientada quanto aos riscos tanto do parto vaginal após cesariana, quanto de repetidas cesárias, das taxas de sucesso da tentativa do parto vaginal nesta gravidez, além de ser avaliada individualmente levando em consideração suas particularidades. Caso a mulher não tenha nenhuma indicação de cesariana desta gravidez, entenda os riscos e benefícios da tentativa do parto vaginal e queira esse parto normal, isso deve ser possibilitado a ela pela equipe assistente!
Às pacientes:
Se sua equipe, seu médico, não realiza parto vaginal após cesariana, saiba que isso não é uma conduta global e que existem muitas equipes que lutam por uma obstetrícia que priorize a autonomia da gestante e que essa decisão SEMPRE é sua, e não do médico. Uma vez que você estuda os riscos e benefícios e decide que quer tentar um parto vaginal, independente de quantas cesarianas você tem, você deveria ter esse direito. Se você tem condições de trocar de equipe, ou de hospital, troque e vá atrás do seu sonho. Obs: isso eu estou falando quanto, apenas, à questão de ter cesariana anterior, existem sim reais indicações de cesariana, indicações absolutas, que já foram estudadas e que a ciência coloca como sendo o melhor caminho, para a sua saúde e do seu bebê, mas cesariana prévia não é uma delas.
Aos médicos:
Temos liberdade de optar qual caminho seguir na profissão, e sim, temos liberdade de decidir não realizar parto vaginal no consultório, segundo a lei e o código de ética médico atual, salvo situações de emergência. A forma que o sistema de saúde complementar está organizado hoje, faz com que seja quase impossível conseguir trabalhar com partos vaginais espontâneos em um contexto de convênio médico. A opção pela não realização de partos normais no consultório é uma opção pessoal do profissional, mas isso exige transparência desde o início do pré-natal, o que, infelizmente, não é o que acontece, em muitos casos. Você tem sim o direito de tomar a conduta que quiser, mas no momento de informar essa conduta para a paciente tem o DEVER de informa-la usando dados verdadeiros e evidências cientificas atuais. Mentir sobre falsas indicações de cesariana, assustar as pacientes com dados que não são reais e nem embasados pela literatura e, o pior de tudo, colocar sua conduta como a única opção é antiético e não deve ser nunca realizado. Em situações de divergência de opiniões ou pacientes que querem buscar condutas que você discorda por qualquer motivo, encaminhe a paciente para outro profissional!
Dra Amanda Loretti estudou medicina na Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, e foi nessa mesma instituição que realizou suas residências médicas em Obstetrícia, Ginecologia e Medicina Fetal. Depois de formada ainda realizou especialização em Ginecologia Endócrina e hoje em dia atua principalmente em obstetrícia humanizada, ginecologia e sexualidade. Atende em seu consultório, que fica localizado na Vila Mariana, em São Paulo.
Fontes: (1 ) (Craigin EB. Conservatism in obstetrics. New York Medical Journal 1916;CIV(1):1-3) (2) Vaginal birth after two caesarean sections (VBAC-2) – a systematic review with metaánalysis os sucess rate and adverse outcomes of VBAC-2 versus VBAC-1 and repeat (third) caesarean sections. S Tahseen, M Griffiths, July 2009. (3) Silver et al., 2006 Maternal morbidity associated with multiple repear cesarean deliveries (4) Marshall et al., 2011 (5) RCOG Greentop Guideline 45, 2015 (6) Dodd, Jodie M; Crowther, Caroline A. Planned elective repeat caesarean section versus planned vaginal birth for women with a previous caesarean birth, 2013 (7) Thisted, 2015