O fato de a sexualidade ser construída dentro da sociedade machista e patriarcal que vivemos atualmente (e há milênios) faz com que um comportamento curioso seja visto entre muitas mulheres heterossexuais que é fingir o orgasmo.

Uma pesquisa feita com 463 mulheres com idade média de 38 anos, no Reino Unido, pelo Archives of Sexual Behavior, mostrou que 3 a cada 4 mulheres hetero já fingiram orgasmo e que isso acontece a cada 3 vezes que elas fazem sexo. Essa pesquisa ainda descobriu que mulheres que se identificavam com causas feministas tinham mais voz na cama e, consequentemente, mais orgasmos, enquanto aquelas que achavam que seu parceiro às estavam traindo tinham menos orgasmos.

Quando uma mulher finge um orgasmo, além de ela estar deixando de lado seu próprio prazer, desistindo dele naquele momento, ela está criando um reforço positivo FALSO no parceiro, de que ele, fazendo aquilo, daquele jeito, consegue fazer sua parceira gozar.

A sacanagem da mulher que finge orgasmo não é só com ela mesma e com o parceiro (que acha que está com uma performance boa, que está satisfazendo sua parceira), mas com as futuras parceiras dele, também, com as quais ele repetirá esse comportamento, essas ações, essa performance.

Sabe aquele homem que não está legal o sexo mas fala: todas as minhas ex gozavam assim?? Então…

Eu acredito que existem alguns pontos principais para justificar e explicar o fato de mulheres fingirem orgasmos com tanta frequência (em relações heterossexuais).

A falta de conhecimento dos próprios corpos pelas mulheres

que muitas vezes acham que o fato de não ter gozado na relação é devido a algum defeito do seu corpo, que não consegue atingir o prazer, que não responde da forma que seria “normal”. Quando mulheres iniciam a vida sexual sem quase nenhuma instrução, muitas vezes tendo como a única referência do que seria uma relação sexual habitual os filmes adultos, ela não sabe coisas muito básicas sobre a própria fisiologia e anatomia. Desconhece que a maioria das mulheres precisa de um estímulo direto no clitóris para atingir o orgasmo, que gozar apenas com a penetração é possível para uma minoria das pessoas com vulva, que o tempo para atingir o orgasmo feminino é muito maior do que o tempo para um homem atingir o ápice.

O fato de a sociedade ainda considerar o PRAZER FEMININO um grande tabu, e, em muitos meios, algo errado e que deve ser banido, controlado, suprimido

muitas mulheres vivem em meios em que ainda não é permitido (muito menos é uma prioridade) o prazer sexual feminino. Isso pode ocorrer de forma aberta ou velada. Muitas mulheres foram ensinadas que o sexo não tem a ver com prazer, e, nesses casos, podem ter mais dificuldades por ter que desconstruir esse paradigma.

A falta de comunicação do casal

que quando não tem abertura para discutir esse tema, não tem como mudar a situação e melhorar o sexo, e acaba preso num ciclo de relações ruins e frustrantes para a mulher, mas também muitas vezes para o homem, que no fundo sente que não esta satisfazendo sua parceira. Ao contrario do que muitas pessoas pensam, pesquisas mostraram que o prazer da parceira é sim uma das prioridades dos homens em relações sexuais heterossexuais. Apesar de ter essa preocupação, a execução fica prejudicada, muitas vezes, pela incapacidade de comunicação e pela própria mentira do fingimento do orgasmo. (É claro, também, que existem homens que não tem esse interesse.)

O culto ao falo

a sexualidade atual é construída com o foco na penetração vaginal e no pênis como A ferramenta de prazer, potência e poder. A noção de que o orgasmo feminino, na maioria das vezes, ocorre SEM A NECESSIDADE do falo é um grande tabu para os homens e para a discussão pública e privada (dentro do casal). Isso conversa com a masculinidade frágil e tóxica na qual os homens estão, muitas vezes, inseridos o que também prejudica o diálogo sobre como mudar, como melhorar a sexualidade no geral para que ambos tenham prazer.

Independente dos motivos, sociais, culturais, e do que leva individualmente mulheres a fingirem orgasmos, o fato é que essa é uma prática comum e que pode acabar gerando um ciclo vicioso: quanto mais você finge, mais o parceiro acha que está fazendo do jeito que você gosta e mais você finge e cada vez tem menos liberdade para contar a verdade. Quanto mais tempo passa, mas difícil é sair dessa situação.

Uma coisa é aquela pessoa que estava cansada um dia, nem estava afim de transar e fingiu para acabar logo (o que é uma situação muito problemática sim, mas por outras questões – por que essa mulher estava transando se não estava com vontade? Por que ela não consegue falar para o parceiro que não quer mais?), mas quanto ao fingir orgasmo, é uma situação menos grave, ela goza com o parceiro, foi só eventual esse fingir.

Outra coisa muito mais difícil de mudar é a mulher que está no ciclo vicioso de fingir orgasmo em toda relação, há anos a fio, com o parceiro acreditando que ela está satisfeita, quando, na verdade, ela vai se masturbar no banheiro depois das relações (quando muito) ou realmente nunca teve um orgasmo, ou só goza quando se masturba e vive essa grande mentira.

Nesses casos, o ato de contar para o homem pode ser muito difícil e com consequências muito drásticas, porque, maior do que o fato de ele não a fazer gozar, é a grande mentira de anos sobre algo muito importante.

Eu ouço isso das pacientes: “Como eu vou contar pra ele, que é o homem que eu amo, que eu nunca fui satisfeita com ele, que eu menti esse tempo todo?”.

Como sair do ciclo vicioso de fingir orgasmo, começar uma real busca do prazer sexual para ambos do casal e manter o relacionamento?

É claro que cada situação é única, mas basicamente existem dois caminhos e ambos exigem conversa.

A primeira opção é contar a verdade. Conte que você finge, que você não está satisfeita, mas que está querendo reconstruir essa relação, que está disposta a conversar e explorar o mundo da sexualidade com ele em busca do prazer. EU SEI QUE É MUITO DIFÍCIL! Mas apesar de ser difícil, estamos falando aqui de um dos pilares da qualidade de vida! Você tem direito de ter uma sexualidade com prazer assim como ele!

Outra opção é comer pelas beiradas. É propor mudanças, mudar o sexo, mudar a posição, começar a introduzir novas formas de transar. Conta que está estudando sobre isso e que tem outros jeitos de gozar, outros tipos de orgasmo, crie intimidade, se coloque aberta para discutir o prazer seu e dele.

Em ambas as situações, existe a possibilidade de você encontrar um parceiro que, por mais que esteja com o ego ferido, esteja também aberto a potencializar o prazer dele além de descobrir o seu, junto com você. E também existe a possibilidade de você encontrar alguém fechado, que não quer conversar, que não quer admitir que seu falo não te satisfez até agora, que vai colocar a culpa no seu “corpo defeituoso de mulher”. Se seu parceiro for da última opção, cabe a você, então, decidir o que fazer frente a essa situação.

Existem momentos da vida que certas coisas não cabem mais. Seja transar sem prazer, seja um parceiro que acha ok você transar sem prazer…

Dra Amanda Loretti estudou medicina na Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, e foi nessa mesma instituição que realizou suas residências médicas em Obstetrícia, Ginecologia e Medicina Fetal. Depois de formada ainda realizou especialização em Ginecologia Endócrina e hoje em dia atua principalmente em obstetrícia humanizada, ginecologia e sexualidade. Atende em seu consultório, que fica localizado na Vila Mariana, em São Paulo. 

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