O movimento da humanização do parto traz à tona a necessidade de olharmos para as evidências científicas e analisarmos se o que estamos fazendo com as gestantes e seus bebês durante o pré-natal, parto e puerpério está correto, realmente é a melhor conduta, ou não.

A medicina baseada em evidências, que é um dos pilares da humanização do parto, realiza estudos científicos e análises estatísticas desses trabalhos para avaliar se uma intervenção é realmente benéfica, ou se, apesar de ser considerada por um ou outro profissional como positiva, baseando-se apenas na experiência deles, sob diversos vieses, quando submetida à metodologia adequada, não mostra reais benefícios.

A humanização do parto surgiu quando, de repente, nos vimos em uma sociedade com mais de 85% de cesarianas nos hospitais particulares do Brasil e mais de 50% no SUS em todos os Estados há mais de uma geração. Será que a realização de cesarianas em mulheres saudáveis e bebês saudáveis é a melhor conduta? Ou deve-se preferir o parto vaginal, que é fisiológico e resultado da evolução da espécie humana há milhares de anos?

Junto com esses questionamentos, surgiram diversas outras perguntas quanto à todas as intervenções na obstetrícia que tem sido respondidas ao longo das últimas décadas, tais como:

  • É necessário induzir os partos antes de 40 semanas? 
  • É necessário utilizar medicações para acelerar o parto? 
  • É necessário cortar o períneo das mulheres para os bebês nascerem mais saudáveis? 
  • É necessário que os partos sejam todos dentro do hospital? 
  • É necessário que um parto, para ser de sucesso e seguro, siga uma certa velocidade de evolução? 

A resposta para todas essas perguntas, caso estejam curiosos, é NÃO. 

Existem diversos tipos de estudo científicos, com diferentes desenhos, sendo que o estudo considerado o melhor atualmente: um ensaio clínico duplo cego randomizado, não é possível de ser realizado em várias situações: não é possível a gestante e o médico não saberem se ela está tendo um parto vaginal ou cesariana e nem que ela seja sorteada para esses desfechos. Obviamente! Mas outros desenhos de estudo, observaram números muito grande de gestantes e bebês e determinaram que o parto vaginal é sim mais saudável e possui menos riscos do que a cesariana.

Importante que se diga que nenhum parto, assim como nada na medicina, é isento de riscos. Tanto o parto vaginal, como o parto cesário, possuem riscos para a mãe e para o filho. Tanto o parto mais natural possível, em casa sem equipe, como um parto mais equipado de tecnologia num hospital em Londres, tem riscos. Em ambos os cenários existe um risco de sangramento, de sequelas e de óbito para a mulher e para a criança. Gestantes normalmente não gostam de pensar nisso, mas, infelizmente, por mais que nos dediquemos ao máximo, as coisas as vezes não ocorrem como o esperado.

O que devemos buscar é, portanto, a situação que irá, provavelmente, expor a gestante e o bebê ao menor risco conhecido. Essa situação é, na grande maioria dos casos, um parto vaginal!

Eu acho interessante termos que ter estudos para responder essa pergunta que parece muito óbvia para mim: que um parto vaginal, onde o bebê sai pela vagina, depois de um processo hormonal e biomecânico aprimorado pela evolução por milhares de anos, é menos danoso do que uma cirurgia de grande porte em que o abdome da mãe (composto de 7 camadas) é cortado, a colocando sob intenso trauma físico. Já para o bebê, essa pode ser a diferença de ele ter atingido a maturidade (que varia de feto para feto e não é garantida pela idade gestacional e sim pelo início do trabalho de parto) e passar pelo canal de parto sofrendo diversas alterações que o preparam para respirar ar, após ter seus pulmões espremidos e, dessa forma, expulsar todo o líquido deles de forma lenta e progressiva; ou ser retirado do útero de uma hora para outra sem nenhum aviso, muitas vezes antes de estar preparado fisiologicamente.

Mas como é assim que a ciência se respalda atualmente, vamos aos estudos e dados para mostrar que sim, o parto vaginal é mais seguro para a mãe e para o bebê.

No caso da gestante, ocorrendo um parto vaginal, ela tem um risco menor de hemorragia pós-parto, precisar de transfusão de sangue, precisar de uma histerectomia (retirada no útero após o parto) ou vir a óbito. A recuperação também é melhor no parto normal, com um puerpério com menos dor, de mais fácil movimentação, aleitamento e uma melhor recuperação no geral. Mesmo nos casos em que é necessário dar pontos no períneo, a cicatrização e recuperação da ferida é infinitamente mais simples e mais rápida que uma cesariana.

Com relação ao bebê, o parto vaginal tem: menos ocorrência de desconforto respiratório ao nascer, menos internações em UTIs neonatais, maiores facilidades na amamentação, menos prematuridade e menos óbito neonatal. Quando o feto passa pelo canal de parto ele entra em contato com bactérias que vivem ali e essas bactérias boas colonizam o recém-nascido, ajudando a formar a flora intestinal dessa criança. Ainda, estudos comprovam que pessoas nascidas de parto cesariana tem um maior risco de desenvolver atopia, asma, alergias e obesidade.

Ter uma cesariana não aumenta apenas os riscos na gestação presente, mas nas gestações futuras. As próximas gestações se tornam de maior risco para acretismo placentário, placenta de inserção baixa, ectópica em cicatriz de cesariana, novas cesarianas e todos os riscos que cesarianas repetidas acarretam.

Mas e as mortes de mães e bebês que ocorriam antes do advento da cesariana, elas não são, atualmente, evitadas por esse cirurgia?

Ainda bem que temos nas nossas mãos toda a tecnologia médica que nos permite diminuir os índices de morte materna e neonatal, aumentar a expectativa de vida e curar completamente doenças que, antes, eram sentenças de morte, como algumas infecções!

A cesariana e todas as intervenções possíveis de serem utilizadas hoje em dia na medicina, e na obstetrícia, devem sim ser usadas quando necessárias, quando é identificada uma situação em que essa intervenção, como a cesariana, naquele caso específico, é a melhor conduta para aquela gestante e seu filho. Com as indicações precisas de cesárias, é possível salvar muitas mães e bebês que não teriam partos vaginais saudáveis, com um bom desfecho. O risco, às vezes, é menor ao realizar uma cesariana do que um parto vaginal. Mas essas são situações de exceção, quando existe algo naquele trabalho de parto, ou naquele útero, ou no bebê, ou na placenta, ou ainda alguma doença materna, que determina que não é mais seguro ou possível um parto vaginal. Para esses casos, ainda bem que temos a opção de realizar aquela cirurgia de grande porte que corta 7 camadas, porque, sim, as vezes ela é o caminho mais seguro.

A OMS determina que a taxa de parto cesariana ideal seria 15% dos partos, ou seja, apenas 15% das gestantes possuiriam alguma real indicação de cesariana ou contraindicação a um parto vaginal. Infelizmente, atualmente entramos em contato com um milhão de falsas indicações de cesarianas, onde médicos e hospitais induzem mulheres a se submeterem a cirurgias com indicações estapafúrdias como circular de cordão ou bolsa rota há 12 horas. 

Somente através da informação de qualidade, aliada a uma equipe de confiança, que realmente acredite que o melhor para você é (muito provavelmente) um parto vaginal, você pode se armar para fugir de desneCesárias.

Concluindo, não estou questionando situações em que realmente há uma necessidade de parto cirúrgico, não tenho dúvidas que a tecnologia da cesariana é uma ferramenta importantíssima na obstetrícia atualmente. Porém, quando a tecnologia começa a ser usada sem indicação, nos deparamos com essa inversão de valores onde o artificial é vendido como mais seguro em todas as situações e isso é simplesmente é uma mentira!

A informação é, portanto, o caminho para um parto mais satisfatório e mais seguro. Estudar as indicações de cesarianas reais, fazer um bom pré natal, estudar as opções de anestesias no parto, entre outros temas relacionados ao nascimento é o melhor caminho para que você perca os medos que a sociedade tem implantado na mente de nós, mulheres, insistindo em dizer que não conseguimos, não podemos ou mesmo não precisamos parir.

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Fonte: basicamente toda a literatura médica corrobora que o parto vaginal é melhor do que a cesariana, mas deixo aqui alguns artigos do UptoDate que é um compilado de estudos sobre o tema:

https://www.uptodate.com/contents/cesarean-birth-on-maternal-request?search=cesaria&topicRef=4475&source=see_link

https://www.uptodate.com/contents/placenta-previa-epidemiology-clinical-features-diagnosis-morbidity-and-mortality?search=cesaria&topicRef=4477&source=see_link

https://www.uptodate.com/contents/cesarean-birth-postoperative-issues?search=cesaria&source=search_result&selectedTitle=2~150&usage_type=default&display_rank=2

https://www.uptodate.com/contents/repeat-cesarean-birth?search=cesaria&source=search_result&selectedTitle=6~150&usage_type=default&display_rank=5

https://www.uptodate.com/contents/transient-tachypnea-of-the-newborn?search=cesaria%20newborn&source=search_result&selectedTitle=2~150&usage_type=default&display_rank=2

https://www.uptodate.com/contents/physiologic-transition-from-intrauterine-to-extrauterine-life?sectionName=Alveolar%20fluid%20clearance&search=cesaria%20newborn&topicRef=5066&anchor=H6&source=see_link#H6

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Dra Amanda Loretti estudou medicina na Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, e foi nessa mesma instituição que realizou suas residências médicas em Obstetrícia, Ginecologia e Medicina Fetal. Depois de formada ainda realizou especialização em Ginecologia Endócrina e hoje em dia atua principalmente em obstetrícia humanizada, ginecologia e sexualidade. Atende presencialmente em seu consultório em São Paulo, ou via telemedicina. 

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