O número de mulheres que eu atendo que contam que na adolescência tinham ciclos irregulares, ou fizeram ultrassom pélvico onde apareceram cistos, foram diagnosticadas com síndrome dos ovários policísticos e iniciaram pílula para “TRATAR” isso é imenso!

Será que todas essas mulheres realmente tem a doença: SÍNDROME DOS OVÁRIOS POLICÍSTICOS (SOP)?

Para iniciar essa conversa acho importante dividir duas coisas completamente diferentes, mas sobre as quais há muita confusão, devido ao mesmo nome.

Fazer um ultrassom e ver no laudo: ovários de aspecto policístico, ou, de aspecto micropolicístico, ou, presença de diversos cistos nos ovários, não é a mesma coisa que ter SOP!

Esse aspecto dos ovários pode ou não ser normal, mas ter ovários assim, por si só, não é uma alteração. Se você é uma pessoa que não apresenta nenhuma alteração física (nenhum sintoma), tem um ciclo menstrual regular e faz um exame de ultrassom que vem com esse laudo, você não tem nenhuma doença! Essa só é a característica dos seus ovários! 

A síndrome dos ovários policísticos é uma doença caracterizada pela presença de alterações físicas, no ciclo menstrual, nos exames de sangue hormonais e no ultrassom. Ela é uma doença hormonal e metabólica.

Atualmente, para fazer o diagnóstico da SOP, a paciente precisa ter pelo menos dois de três fatores:

            – Alterações do ciclo menstrual com ciclos muito longos (maiores que 45 dias), ou longos períodos sem menstruar (meses)

            – Alteração dos ovários ao ultrassom

            – Aumento dos hormônios masculinos (hiperandrogenismo): isso pode ser identificado tanto pelos exames de sangue, quanto pelos sintomas físicos desses hormônios aumentados como aumento de pelos, acne e queda de cabelo (de um tipo específico que chama alopecia androgenética)

Vamos avaliar com mais detalhes esses critérios diagnósticos.

A primeira coisa importante de saber é que toda essa avaliação, tanto do ciclo, como do ultrassom e dos exames de sangue, só pode ser realizada em meninas e mulheres que não estão usando hormônios. O uso de hormônios pode alterar tudo isso e não permite que o diagnóstico de SOP, frente a uma suspeita, seja confirmado ou refutado. Nesses casos, em que por algum motivo há dúvida, o ideal é retirar os hormônios, esperar alguns meses e, então, fazer os exames e avaliar o ciclo menstrual.

Alteração do ciclo menstrual

Para entrar como diagnóstico de SOP, a alteração do ciclo menstrual deve ser do seguinte tipo: ciclos longos, ou longos períodos sem menstruação (isso, claro, sem uso de hormônios).

Logo após a menarca, particularmente no primeiro ano após a primeira menstruação, não tem como fazer esse diagnóstico, já que é muito comum que a menina apresente grande irregularidade por algo que chamamos de imaturidade do eixo hormonal. Isso significa que quando nosso corpo começa a menstruar, demora alguns anos para que ele aprenda direitinho a ser regular. Ficar meses sem menstruar nesses primeiros anos após a menarca (principalmente no primeiro ano) é NORMAL.

Outras alterações de ciclo como ciclos curtos, aumento da quantidade de sangue, escapes, etc não entram no diagnóstico da SOP.

Ovários policísticos no ultrassom

O aspecto dos ovários ao ultrassom que pode ser considerado como critério para a SOP deve seguir várias regras. Eu não vou entrar em detalhes técnicos, mas, resumindo, podemos avaliar tanto o volume (tamanho) dos ovários, quanto a quantidade de pequenos cistos nos ovários. Não pode haver nenhum cisto grande e, para usar o critério de quantidade de cistos, esse ultrassom deve ser transvaginal. No caso de pacientes que ainda não realizam exame transvaginal, o diagnóstico deve ser pelo tamanho do ovário no ultrassom pélvico (pela barriga). Esses critérios de ultrassom são novos (2018) (1) e, nesse protocolo atual, o critério “ultrassom” só pode ser usado para mulheres que já passaram 8 anos desde a primeira menstruação!

Essa decisão se deve ao fato de que nos primeiros anos de vida cíclica, os ovários são jovens e podem ter esse aspecto grande e com pequenos cistos e isso ser normal, como eu já disse acima. Hoje em dia, só é possível fechar diagnóstico de SOP em mulheres jovens, adolescentes, em casos realmente muito graves e com muitos sintomas.

Resumindo: o ultrassom com ovários de aspecto policístico tem um papel muito pequeno atualmente no diagnóstico da SOP, particularmente nas adolescentes.

Aumento de hormônios masculinos

Observado pela presença de sintomas: acne, pelos e alopecia androgenética 

Calma! Não é qualquer pelo e nem qualquer acne ou queda de cabelo que podem ser considerados no diagnóstico da síndrome dos ovários policísticos. Esses sintomas devem ser caraterísticos dos quadros que são causados por aumento de hormônios masculinos. Particularmente quanto aos pelos, temos que ter pelos maduros (daqueles pretos e grossos) em áreas que normalmente não são típicas desses pelos nas mulheres como coxas, barriga, costas, rosto (chamamos de hirsutismo).

Alopecia androgenética

Observado por alterações em exames laboratoriais: A avaliação de alguns exames de sangue pode mostrar um aumento de hormônios masculinos que podem ser responsáveis pelos sintomas acima e pela alteração de ciclo menstrual.

Portanto, o diagnóstico da síndrome dos ovários policísticos exige uma investigação minuciosa e completa de tudo isso, além da investigação do metabolismo do açúcar no sangue, que pode também estar comprometido (o que chamamos de resistência à insulina). 

A grande maioria das mulheres que eu atendo que foram diagnosticadas como SOP na adolescência ou início da vida adulta na verdade não tem essa doença! Muitas são marcadas ainda jovens com esse carimbo da SOP devido a avaliações erradas e superficiais e, pior ainda, estão em uso de anticoncepcional hormonal (pílula) há muitos anos para “tratar” essa doença que elas nem têm!

Se você se encaixa nesse quadro e traz a história: “Quando eu era adolescente tinha uns ciclos irregulares, fiz um ultrassom pélvico que mostrou ovários de aspecto micropolicísticos e fui diagnosticada com SOP e faz 20 anos que uso pílula para isso.” Você deve avaliar algumas questões: 

  1. Sua “irregularidade” era do tipo que eu disse aqui? Mais de 45 dias entre uma menstruação e a próxima, ou vários meses sem sangrar e sem considerar os primeiros anos após a menarca?
  2. Você tinha os sintomas físicos típicos como os das fotos? E aqui vale lembrar que considerar acne em adolescentes como alteração hormonal é muito questionável já que a própria puberdade saudável é responsável pelo aparecimento de acne em adolescentes que não tem nenhum distúrbio hormonal como SOP. Então acne na adolescência, mesmo que grave, não necessariamente advém de uma alteração, no sentido de doença, hormonal.
  3. Você chegou a fazer exames de sangue que mostraram que os níveis dos seus hormônios masculinos estavam aumentados?

Se você não fez essa investigação provavelmente você não tem síndrome dos ovários policísticos!

Daí vai de cada pessoa avaliar se tem ou não interesse de realmente descobrir se possui uma real SOP e, para isso, seria preciso a parada da pílula e avaliação de tudo isso que eu contei aqui para vocês.

Dra Amanda Loretti estudou medicina na Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, e foi nessa mesma instituição que realizou suas residências médicas em Obstetrícia, Ginecologia e Medicina Fetal. Depois de formada ainda realizou especialização em Ginecologia Endócrina e hoje em dia atua principalmente em obstetrícia humanizada, ginecologia e sexualidade. Atende em seu consultório, que fica localizado na Vila Mariana, em São Paulo. 

(1) International evidence-based guideline for the assessment and management of polycystic ovary syndrome. Melbourne: Monash University, 2018.

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