Vivemos em uma sociedade de consumo. Tempo é dinheiro e dinheiro é o bem mais valorizado.

Quando as mulheres entraram no mercado de trabalho, entraram em um mundo até então dominado e preenchido por homens, e que funcionava (e funciona) sob regras masculinas. Essa conquista foi revolucionária do ponto de vista da emancipação da mulher que passou a ter a oportunidade de ter uma carreira fora de casa e, assim, se individualizar de seu marido ou pai.

Com a evolução da tecnologia em saúde e o surgimento das pílulas anticoncepcionais nos anos 60, as mulheres ganharam o poder de controlar a natalidade sozinhas, tendo mais controle do seu corpo, da sua sexualidade e do seu futuro. A pílula se tornou um símbolo do poder do planejamento familiar que, até então, era muito mais precário.

Os tempos mudaram, a cultura mudou, as mulheres se estabeleceram como trabalhadoras de todas as áreas, conquistamos direitos, mais liberdade sexual, acesso a vários métodos anticoncepcionais, temos opção, hoje em dia, de casar ou não, termos filhos ou não, sozinhas ou com algum parceiro/a (pelo menos na maioria das sociedades urbanas do ocidente).

Nossas reivindicações são outras. Enquanto antigamente as mulheres lutavam por empregos, pelo divórcio e pelo voto, hoje lutamos pela igualdade de salário, pela valorização do trabalho de casa e da maternidade, contra as violências (e essa luta, infelizmente ainda tem muito chão pela frente) e continuamos a lutar pela diminuição das desigualdades de gênero.

Apesar de estarmos inseridas no mercado de trabalho, muitas mulheres (quase todas) vivem sob regras feitas por homens e para homens. Toda a estruturação do trabalho na sociedade capitalista visa a produtividade máxima, sempre. Então mulheres se veem sendo cobradas uma estabilidade física e emocional que não é própria do corpo feminino.

Na corrida para a igualdade de gênero, fomos cada vez mais tentando controlar nossos ciclos e nossos corpos, buscando não ter nenhuma interferência “negativa” de nada que pode estar “fora do nosso controle” como menstruação, TPM e até gravidez. Não é aceitável nesse mercado de trabalho que uma mulher esteja em um dia pior por uma cólica menstrual, por exemplo, e, talvez nesse dia, tenha uma produtividade menor, ou ainda que ela tenha que se afastar por uns meses porque teve um filho.

Esse desejo de controle pode até ser nosso, mas com certeza é grandemente influenciado pela expectativa de que mulheres se comportem como homens no trabalho. 

Pode ser que esse comportamento tenha sido necessário no passado; mas podemos rever isso agora?

Não cabe a mim como ginecologista mudar a sociedade e o mercado de trabalho (bem que eu queria), mas talvez eu consiga colocar uma sementinha na sua cabeça sobre essa interpretação do corpo feminino como sendo “melhor” se for controlado.

Existe um porquê das coisas que acontecem nos nossos ciclos e, mesmo nos casos dos sintomas negativos, muitas vezes há um motivo por trás deles. As vezes algum hábito que não está legal, alimentação irregular, relações interpessoais tóxicas. 

Ao invés de buscarmos um equilíbrio maior no nosso dia a dia, buscando uma vida mais saudável, com uma harmonia maior entre as diferentes esferas: emocional, mental, física; acabamos vivendo os dias mascarando sintomas que não sabemos as causas e nem buscamos a cura.

Essa situação é insustentável e eventualmente levará a um sofrimento maior, seja através de uma doença física, um burn out, ou uma depressão.

Talvez esteja na hora de começar a interpretar essa cobrança da sociedade por produtividade e produção infinitas como errada e não uma falha nossa de não conseguir alcançar o inalcançável.

Sejamos mais gentis com nosso corpo, ouçamos os sinais que ele nos dá no dia a dia de que algo está errado. Muitas vezes, a grande maioria delas, não é nosso corpo que está defeituoso, e sim as situações e cobranças em que estamos vivendo que estão desequilibradas.

Um sonho meu? Que nossos corpos sejam respeitados tanto na sua integridade física (o básico) como nas particularidades que são próprias dos ciclos femininos. Devemos buscar não a igualdade no mercado de trabalho e na sociedade, para sermos aceitas como os homens, porque não somos homens. Devemos buscar a equidade para que sejamos respeitadas, como mulheres, e tenhamos um espaço para poder exercer nossa produtividade cíclica que, eu não tenho a menor duvida, é muito maior do que a artificialidade da estabilidade medicamentosa.

Dra Amanda Loretti estudou medicina na Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, e foi nessa mesma instituição que realizou suas residências médicas em Obstetrícia, Ginecologia e Medicina Fetal. Depois de formada ainda realizou especialização em Ginecologia Endócrina e hoje em dia atua principalmente em obstetrícia humanizada, ginecologia e sexualidade. Atende presencialmente em seu consultório em São Paulo, ou via telemedicina. 

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