Uma grande aflição dos pais e cuidadores  é o momento que eles percebem que seus filhos começam a mostrar interesse sexual e que vão provavelmente iniciar a vida sexual em breve. Como conversar com eles a ponto de educa-los sobre as responsabilidades que devem ter ao se envolver sexualmente, mas ao mesmo tempo não podar a liberdade e a espontaneidade? Como falar sobre os perigos do sexo e as possíveis consequências para a vida toda sem sermos hipócritas de acreditar que o medo é uma forma de impedir que eles transem? Como falar sobre prazer?

“A CONVERSA”

Momento muito temido por muitos adultos e mais ainda pelos adolescentes.

Ter uma orientação técnica sobre os riscos do sexo é sim importante e essa conversa deve acontecer, idealmente, quando o adolescente procura os pais com dúvidas, o que acontece mais raramente, ou quando os pais acreditam que esse adolescente está prestes, ou próximo, de começar a se relacionar sexualmente. O ideal é que essa orientação ocorra antes do início de qualquer atividade sexual.

Falar sobre infecções sexualmente transmissíveis e gravidez é com certeza a parte mais fácil dessa conversa e que já está na mente de todos que vão orientar pessoas mais jovens. Difícil é conversar sobre consentimento, sobre dizer “não” no meio do ato, sobre prazer sexual feminino, masturbação, sobre como o tempo de prazer do homem e da mulher são diferentes. Mas vamos por partes.

Primeira dica: estude. A ciência está em constante evolução, e as informações acerca de infecções sexualmente transmissíveis bem como gravidez, e como evitar essas situações provavelmente mudaram desde a última vez que você pensou a respeito. Pesquise na internet em sites confiáveis, converse com seu médico, no caso das mães converse com seu ginecologista sobre quais informações são mais corretas, assista programas sobre isso, leia. Hoje em dia, com a internet, é muito mais fácil estar a par de informações corretas, mas também das incorretas. 

Alguns assuntos são tão importantes que não podem ser deixados de lado.

Quanto à gravidez: 

  1. Explicar o básico, orientar como que se engravida: para isso você deve entender minimamente sobre ciclo menstrual e ovulação.
  2. Orientar que existem métodos anticoncepcionais e explicar uso CORRETO de preservativo.
  3. Não esquecer de conversar sobre o que fazer se o preservativo romper, ou se ele ou ela se expor a relações desprotegidas. Tem que conversar sobre a pílula do dia seguinte.
  4. Não esquecer de falar que não é só na ejaculação que existem espermatozoides. Práticas como coito interrompido e mesmo “nas coxas” podem levar a uma gestação indesejada (a chance é menor, mas essas práticas, principalmente o coito interrompido, não são seguras para evitar gravidez).
  5. Falar que tocar a vagina com a mão com sêmen pode levar a gestação indesejada.

Quanto à infecções sexualmente transmissíveis:

  1. Explicar que o preservativo deve ser usado durante todo o contato sexual, e que não adianta transar sem e colocar no final (antes da ejaculação), o contato de secreções já ocorreu, expondo a doenças e correndo o risco de engravidar.
  2. Explicar que o preservativo não protege contra várias DSTs como HPV, herpes, sífilis, entre outras. Então como se proteger delas? Sempre olhar o genital antes de encostar, se tiver qualquer bolha, ferida, não ter contato. (Você sabia que quando se relaciona sexualmente com outra pessoa está se expondo a doenças que não são possíveis de prevenir, entra aqui, inclusive, a questão da maturidade de lidar com essa responsabilidade que infelizmente muitas pessoas não tem quando iniciam a vida sexual.)
  3. Explicar que sexo oral transmite essas infecções, inclusive hepatites e HIV, e que usar preservativo no sexo oral minimiza esse risco.
  4. Não esquecer de conversar sobre a responsabilidade em si quanto à doenças e de que se acontecer algo, se após uma exposição esse jovem apresentar sintomas, ele deve procurar você, ou um médico, e se tratar e, enquanto não faz isso, não transar com outras pessoas, além de informar o parceiro ou parceira.

Devemos entender que infecções sexualmente transmissíveis não são necessariamente causadas por falta de cuidado, que as vezes elas acontecem, basta estar se relacionando sexualmente com outras pessoas. Acolher o jovem que provavelmente vai estar morrendo de vergonha e medo de ter pego algo no sexo faz parte de uma boa prática. Muitas pessoas, inclusive adultos, por vergonha e medo, não procuram o serviço de saúde e, além de adoecerem, piorando a infecção, por não tratar no início, podem infectar outras pessoas.

AGORA VEM A PARTE MAIS DIFÍCIL

Vamos combinar que um jovem que vem conversar com você sobre a primeira vez, ou uma adolescente que está namorando e quer começar a pílula não quer engravidar! Geralmente as pessoas no começo da vida sexual não querem engravidar. Se não é para ter filhos, qual o motivo, então, que essas pessoas têm para fazer sexo?

Essa resposta não é tão simples como: transamos por prazer. Pesquisas em sexualidade mostram que existem diversos motivos para uma pessoa transar com outra como: para se sentir amada, para agradar o parceiro ou parceira, para algum ganho secundário dentro do relacionamento, para se sentir pertencente a um grupo, além, é claro, do prazer. Mas mesmo não sendo o único motivo, acredito que, de pronto, esse é o principal motivo pelo qual as pessoas querem transar, quando não querem engravidar.

Prazer

Sabe qual a chance de uma mulher ter prazer nas primeiras vezes? Próxima a zero. Se essa menina ou mulher estiver amedrontada com as possíveis consequências, não conhecer o próprio corpo, nunca tiver conversado com alguém sobre prazer, não ter conhecimento do que é uma relação sexual, não conhecer o clitóris, não ter intimidade com o parceiro, o parceiro ser inexperiente, a chance de ter prazer é realmente zero.

Você pode estar pensando que é muito difícil conceber a ideia de conversar com sua filha sobre prazer sexual feminino, orgasmo e clitóris, mas para ela ter uma sexualidade prazerosa, ela precisa, no mínimo, ter uma ideia desses termos e de qual é a realidade do prazer feminino, e que ela é tããão distante da falsidade retratada na pornografia.

As mulheres que transam precisam saber o papel do clitóris no orgasmo, que conseguir atingir o ápice apenas com penetração é algo que a minoria das mulheres consegue. Que se ela não atinge o orgasmo com os 5 minutos de penetração ao estilo “bate estaca” no sexo não é o corpo dela que tem defeito, e sim o jeito que as pessoas transam que não está adequado ao ciclo de estímulo sexual –> excitação –> orgasmo feminino.

Ela precisa entender que atingir o orgasmo é treino, e que é normal que no começo ela não o alcance. Ela precisa saber que se não estudar o próprio corpo, não entender suas zonas de prazer, não treinar sozinha e com o parceiro ou parceira, não tiver liberdade para saber que existe masturbação e que essa prática é responsável por uma chance muito maior de atingir o ápice, as suas chances de ter uma vida sexual satisfatória são muito menores.

Consentimento

Outro tema delicado é o consentimento. Eu trabalho com adolescentes e ouço histórias horríveis que me mostram como muitas pessoas não tem a menor noção do que é consentimento. A ideia de estar no meio do quarto do motel, ou escondido dos pais no quarto de casa, sem roupa e dizer “não” porque não quer mais é uma ideia que muitos jovens não têm! Tanto as meninas e as mulheres, mas também os meninos e os homens, devem ter muito claro a noção de que consentimento deve ser constante e para cada uma das atividades praticadas. A cada minuto que passa um dos dois podem não querer mais e tem que ter total liberdade de dizer “não”, e sempre, SEMPRE, ter seu “não” respeitado.

É frustrante ter uma relação sexual interrompida por que um dos dois desistiu? Sim. E o outro fica todo excitado e tem que se virar com essa frustração? Sim, mas a outra opção é muito pior, chama-se estupro. Esse papo sobre fazer só o que se sente confortável e não fazer nada que não queira só porque o outro está pedindo, ou o inverso, ensinar a não ficar forçando coisas que você está percebendo que o outro não quer, também faz parte da educação sexual.

Nossa quanta coisa né?

Você pode estar pensando que talvez não tenha conhecimento ou intimidade ou coragem para conversar com seu filho ou filha sobre tudo isso. Pode estar pensando: “Ah, mas não conversaram comigo e eu sobrevivi”. 

Não estou aqui dizendo o que você deve fazer, mas sim para refletirmos juntos sobre como é possível melhorar a vivência e o ensinamento da sexualidade para as novas gerações para que elas vivam a intimidade de uma forma mais saudável, menos traumática, e mais prazerosa. Para que eles aprendam de uma forma não violenta e repressiva, para que não tenham que desconstruir um monte de informação errada e inútil para alcançar a tranquilidade de transar sem culpa. Para conseguir atingir um orgasmo, para ter liberdade de falar “não” em uma situação de abuso. Tudo isso está relacionado.

O autoconhecimento do corpo, a confiança, a noção de integridade de que seu corpo é seu e não do outro, de que o sexo é também para o prazer e que é possível atingir esse prazer.

Talvez você, adulto, que está lendo esse texto esteja pensando que eu estou sendo sonhadora e que a vida real não é assim, mas ela pode sim ser. A minha é, a das minhas pacientes também. Mudar o modo como transamos, para termos relacionamentos sexuais mais respeitosos e prazerosos para ambos os parceiros é possível em qualquer momento da vida através da informação. Se você se vê nessa situação de: “como eu vou falar de prazer se nem eu tenho prazer?”, talvez seja agora o momento de você também olhar para isso em si.

Os jovens se viram sozinhos? Aprendem na rua? Vão sobreviver se você não tiver essa conversa com eles? Ou se você só os amedrontar quanto ao risco de doenças e infecções sexualmente transmissíveis? Vão! Mas vão ter, talvez, a mesma dificuldade que você quem sabe teve, e talvez ainda tenha, de se soltar no sexo, de transar sem culpa, de ter dificuldade de comunicação com seu parceiro sobre o que gosta e o que não está legal.

Se você tem intimidade e se sente confortável para ter essa conversa com seu filho, filha, sobrinha, prima, faça isso, se não tem, mas quer que ela tenha essas informações se forma aberta, sem tabus, para que ela tenha a chance de uma construção diferente da própria sexualidade, pode sugerir outras pessoas para orientá-los como psicólogos e médicos.

Não tem problema também relegar essa função para alguém de confiança, as vezes os jovens não querem ouvir essas coisas dos pais ou cuidadores, e está tudo bem. Porém, o ideal é que eles sintam que possuem algum lugar de confiança e respeito, para que possam se abrir, tirar dúvidas, dividir angustias e correr pra algum colo caso algo dê errado nessa transição tão importante e marcante que é o começo da vida sexual.

Segue aqui embaixo um vídeo sobre o assunto caso gostem desse formato também!

No meu canal do YouTube tem vários vídeos sobre diversos assuntos, se gostarem desse formato deem uma olhadinha lá!!

Dra Amanda Loretti estudou medicina na Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, e foi nessa mesma instituição que realizou suas residências médicas em Obstetrícia, Ginecologia e Medicina Fetal. Depois de formada ainda realizou especialização em Ginecologia Endócrina e hoje em dia atua principalmente em obstetrícia humanizada, ginecologia e sexualidade. Atende em seu consultório, que fica localizado na Vila Mariana, em São Paulo.

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