Pobreza menstrual é um termo que se refere à população de pessoas que menstruam e não tem acesso à uma experiência digna de menstruação, por não terem disponíveis: saneamento básico, banheiros, água limpa, privacidade e/ou produtos menstruais.

O acesso a esses direitos básicos é essencial para que a menstruação não seja um fardo ainda maior do que já é devido aos tabus culturais que ainda permeiam esse fenômeno biológico, natural, comum e que está presente na rotina das pessoas com útero por cerca de 40 anos das suas vidas.

Em muitos lugares, no Brasil e no mundo, esses itens, que são considerados básicos se tornam artigos de luxo. A falta de acesso a esses produtos e a uma higiene adequada, prejudica o dia a dia de meninas e mulheres, que deixam de exercer suas atividades corriqueiras como trabalhar ou ir à escola no período menstrual.

Sem acesso a absorventes, essa população faz uso do que tem à mão para absorver o sangue menstrual, desde pedaços de tecido, jornais, papelão e até miolo de pão. E não é só isso, mesmo quem tem acesso aos itens descartáveis muitas vezes os utiliza incorretamente, por mais tempo do que o recomendado, para economizar seu uso. 

A utilização de produtos inadequados na vulva e vagina, somados à falta de saneamento básico, que impossibilita uma higiene correta, pode acarretar, além de uma vivência desumana, sérios problemas de saúde, tais como infecções e lesões genitais, além de infecções urinarias.

A pobreza menstrual aumenta a desigualdade social e a desigualdade de gênero bloqueando acesso a essas mulheres a um dos seus direitos mais básicos de saúde, comprometendo, assim, sua dignidade. Frente a essas sérias consequências a pobreza menstrual é uma questão de saúde pública e deve ser tratada pelo Governo como tal.

Menstruar é um processo biológico normal que faz parte do funcionamento saudável do corpo das pessoas que tem útero. Infelizmente, apesar de ser algo que acontece com metade das pessoas, esse fenômeno ainda está envolto em uma grande mística de vergonha, nojo e desinformação.

Todas nós, mulheres que menstruam, atualmente temos que lidar com o fato de a menstruação ser vista e ensinada como algo que deve ser escondido, não falado (e portanto não estudado) e não discutido no âmbito politico e social. Isso acarreta a propagação de informações erradas e falsas sobre esse processo, afasta as mulheres do conhecimento sobre o funcionamento do seu próprio corpo, fazendo com que elas não saibam muitas vezes lidar da melhor forma com o sangramento e com os possíveis sintomas que podem ocorrer nesse período. Muitas mulheres normalizam a dor, por exemplo, o que não é algo normal. 

Se não somos incentivadas a falar sobre menstruação nem entre nós, mulheres que menstruam, como as mulheres e meninas que não tem acesso a produtos básicos de higiene feminina vão se sentir à vontade de pedir auxílio aos familiares, professores, profissionais da saúde e ao Governo? Muitas meninas têm vergonha de discutir esse assunto com os responsáveis. Em muitas realidades familiares, a baixa renda não permite [HA1] que parte do orçamento seja destinada para a compra de produtos de higiene menstrual. Quantas mulheres têm condições de transferir dinheiro da alimentação para esses produtos?

Mas afinal, quanto custa menstruar?

O acesso a produtos menstruais está tão naturalizado dentro das populações que não estão em situação de vulnerabilidade que muitas de nós nunca paramos para pensar sobre esse problema.

Meninas e mulheres em situação de rua, em regime carcerário e em campos de refugiados estão entre as principais populações que são afetadas pela pobreza menstrual, mas esse é um problema que não se restringe a esses grupos, ele também afeta pessoas em comunidades mais pobres e estudantes.

O custo médio por mês em absorventes descaráveis está em torno de 12 reais. Se multiplicarmos esse valor por toda a nossa vida fértil temos um gasto aproximado de 6.000 reais em produtos descartáveis de menstruação. Isso sem pensar em situações especiais que teriam um dispêndio maior, como mulheres com fluxo mais intenso ou doenças ginecológicas que podem exigir um uso muito maior desses produtos.

A Organização das Nações Unidas (ONU), em 2014, reconheceu que o direito das mulheres ao acesso a higiene menstrual adequada é uma questão de saúde pública e de direitos humanos.

A ONU estima que uma em cada 10 meninas perdem aula por estarem menstruadas e não terem condições adequadas de higiene nesse período, seja por falta de produtos adequados, ou condições de saneamento em casa ou na escola.

Segundo a ONG ActionAid, 1 em cada 10 meninas na África faltam às aulas no período menstrual, mais especificamente, no Quênia cerca de 50% das meninas em idade escolar não tem acesso a produtos menstruais. Enquanto isso na Índia 23% das meninas param de frequentar a escola a partir da PRIMEIRA menstruação.

Mas esse é um problema apenas dos países em desenvolvimento?

NÃO! Em um estudo recente, a ONG International Plan no Reino Unido descobriu que cerca de 10% das meninas residentes nesses países não tem acesso à higiene menstrual adequada. Dessas, 19% afirmam já terem usado substitutos improvisados como trapos de panos, papel higiênico e jornal para absorver o sangue menstrual.

E qual é a situação aqui no Brasil?

Estima-se que cerca de 23% das adolescentes entre 15 e 17 anos não tem condições financeiras de acesso a produtos seguros de higiene menstrual. 

Outro problema no território nacional é a falta de acesso a água limpa e saneamento básico. Segundo a ONG Trata Brasil, 1,6 milhões de brasileiros não tem banheiro em casa, 15 milhões não recebem água tratada e 26,9 milhões moram em bairros sem esgoto.

No Brasil, os produtos menstruais não são considerados como itens básicos de higiene, como creme dental e papel higiênico, por exemplo, e, por isso, são taxados como produtos supérfluos recebendo uma tributação de 25%, o que encarece a produção, dificultando ainda mais o acesso.

Por isso, é dever do Estado garantir uma condição básica de saúde que envolve o acesso a saneamento básico e higiene menstrual, que faz parte da integralidade da saúde da mulher.

Como podemos ajudar a reverter esse quadro?

Eu penso que podemos agir em três frontes principais para ajudar a resolver o problema da pobreza menstrual, particularmente no Brasil.

1 – Desmistificar a menstruação: mudanças culturais através da educação adequada quanto a esse tema, naturalização do fenômeno biológico natural de menstruar

2 – Ação direta a curto prazo: doação de produtos menstruais a populações em estado de vulnerabilidade e divulgação de informações de higiene, prevenção, educação em saúde.

3 – Pressão popular e política: Cobrar o Estado através dos governantes para instituição de medidas públicas para melhorar o acesso a produtos menstruais, além  de condições dignas de higiene como água limpa e saneamento básico nas residências e nas escolas. Absorventes em cestas básicas de higiene, produtos menstruais classificados como itens básicos de higiene e redução da tributação sobre esses produtos, distribuição gratuita de produtos menstruais para população carente e em situação de vulnerabilidade, seja nas escolas, postos de saúde etc. Programas de educação em saúde nas escolas.

Se interessou sobre o tema? Saiba que você com pouco já pode contribuir muito para melhorar a vida de milhares de mulheres e meninas que menstruam.

Eu participo de um projeto voluntário de distribuição de produtos menstruais para pessoas em situação de rua e em comunidades em São Paulo, e, além da doação dos produtos, pretendemos fazer também encontros para divulgação de informação em saúde da mulher para essa população e outras iniciativas. A pagina desse projeto é o @_projetoabsorver no Instagram e as informações sobre doações estão lá, deem uma olhadinha.

Através dessa página fazemos a prestação de contas das doações, divulgação dos trabalhos de distribuição e produção de conteúdos sobre o assunto. Vale a pena dar uma conferida.

Fora esse, existem vários projetos de doação, projetos de lei, abaixo assinados, lojas de produtos sustentáveis que doam produtos para pessoas em vulnerabilidade, projetos de educação nesse tema, tudo aqui na internet, bem fácil de encontrar!

Nós mulheres merecemos ter um mínimo de segurança e conforto ao lidar com a nossa menstruação que é um fenômeno, mais uma vez, normal, natural, frequente e duradouro na vida das pessoas com útero.

Dra Amanda Loretti estudou medicina na Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, e foi nessa mesma instituição que realizou suas residências médicas em Obstetrícia, Ginecologia e Medicina Fetal. Depois de formada ainda realizou especialização em Ginecologia Endócrina e hoje em dia atua principalmente em obstetrícia humanizada, ginecologia e sexualidade. Atende presencialmente em seu consultório em São Paulo, ou via telemedicina. 

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