O exame morfológico de primeiro trimestre é o exame mais importante da gravidez pois é nessa fase o melhor momento para a avaliação precoce da anatomia fetal, além de o único momento da gestação em que é possível avaliar, com boa acurácia e sensibilidade, sinais que nos indiquem se há alguma alteração genética cromossômica nesse bebê.
O ultrassom morfológico de primeiro trimestre (ou ultrassom obstétrico com medida da translucência nucal) é um exame com uma data específica para a sua realização. Ele deve ser realizado de 11 a 14 semanas, aproximadamente. Na verdade, o que define se ele está sendo realizado na data certa é a medida do comprimento cabeça-nádega (CCN) do bebê que deve estar entre 45 e 84 mm, tamanhos que correspondem aproximadamente a 11 – 14 semanas de gestação.
Desde o aparecimento do bebê no ultrassom até 14 semanas, é essa medida, o CCN, que é usada para determinar a idade dele.
O que esse exame vê?
Existem duas partes principais no morfológico de primeiro trimestre: a avaliação da anatomia e os cálculos de riscos (de cromossomopatias e de pré eclampsia).
Anatomia
A avaliação da anatomia consiste em observar e medir as diferentes partes do bebê e identificar se tudo está na posição, forma e tamanho correto para a idade gestacional. Nesse exame já é possível ver os braços, pernas, mãos e pés, dedos das mãos, rosto, nariz, crânio, coração, pulmões, abdome, cordão umbilical, bexiga e a proporção entre essas partes. É identificado o peso do bebê e o comprimento cabeça-nádega e se essas medidas estão de acordo com a idade gestacional.
Também é avaliada a placenta, a quantidade de líquido amniótico e o Doppler das artérias uterinas que vai ser usado no cálculo de risco de pré eclampsia que eu explico mais abaixo.
Cálculo de risco de cromossomopatias
Cromossomopatias são condições genéticas em que existe um número de cromossomo a mais ou a menos do que o comum. Geralmente os humanos possuem 46 cromossomos sendo 2 desses os cromossomos sexuais, X ou Y. Nos referimos à genética habitual de um humano geneticamente feminino como 46XX e de um humano geneticamente masculino como 46XY.
Quando uma pessoa tem uma cromossomopatia, significa que ela tem algum cromossomo a mais ou a menos. As principais cromossomopatias são: a trissomia do cromossomo 21 (Síndrome de Down – a pessoa tem 47 cromossomos sendo 3 cromossomos 21, em vez de 2), a monossomia do cromossomo X (Síndrome de Turner – a pessoa tem 45 cromossomos, é uma mulher porém possui apenas um cromossomo X), a trissomia do cromossomo 18 (Síndrome de Edwards – a pessoa tem 47 cromossomos sendo 3 cromossomos 18, em vez de 2), a trissomia do cromossomo 13 (Síndrome de Patau – a pessoa tem 47 cromossomos sendo 3 cromossomos 13, em vez de 2) e a Síndrome de Klinefelter (a pessoa é um homem com 47 cromossomos, sendo dois X e um Y – 47 XXY).
Existem diversas outras cromossomopatias, mas essas que eu citei são as que permitem o desenvolvimento do feto humano, outras cromossomopatias são encontradas em produtos de perdas gestacionais (a natureza não permite a evolução dessas outras alterações genéticas). Das condições genéticas citadas acima as que são mais comuns e que na maioria dos casos permitem o nascimento e crescimento dos seus portadores são a Síndrome de Down, Turner e Klinefelter. As Síndromes de Edwards e Patau são condições mais graves com baixas taxas de sobrevivências e alterações mais graves dos bebês.
Foram desenvolvidos estudos que descobriram que nessa fase do desenvolvimento fetal, bebês que são portadores de cromossomopatias apresentam alguns sinais e alterações nas medidas de algumas coisas e, através dessa observação, foram desenvolvidos softwares de cálculo de risco que juntam as informações da mãe, do histórico gestacional dessa mulher, com dados do ultrassom e, eventualmente, alguns exames de sangue (marcadores bioquímicos) e, juntando todos esses dados, calculam qual é o risco desse bebê, com essas características específicas dele, apresentar uma condição genética dessas que eu descrevi.
Como esse cálculo de risco é feito por uma máquina, e o desenvolvimento da fórmula matemática foi realizado com essa margem de CCN de 45 – 84 mm, se o exame for realizado em bebês maiores ou menores do que essa medida, não é possível realizar o cálculo de risco. Se você for realizar seu morfológico de primeiro trimestre e o bebê estiver menor do que 45 mm de CCN, volte após uma ou duas semanas; se ele passou desse tamanho, infelizmente não é mais possível a realização do risco de cromossomopatias, apesar de ser possível toda a avaliação da anatomia.
O resultado do cálculo de risco vem dividido em duas partes. Primeiro aparece o cálculo do risco basal (ou original ou inicial) que é realizado baseando-se na idade da gestante. Esse resultado significa: para mulheres dessa idade, qual o risco de Síndrome de Down, por exemplo. Logo em seguida vem outro número que é o cálculo de risco corrigido ou específico que significa, qual é o risco desse bebê, especificamente, que está dentro da barriga dessa mãe, com essas medidas, ter Síndrome de Down.
Se as medidas e os sinais estão normais no ultrassom o risco corrigido vai vir bem menor que o risco basal, se esse feto apresentar sinais de alterações o risco corrigido vai vir mais alto que o basal, ou similar no caso de mulheres com mais idade.
Na imagem acima vemos um exemplo de cálculo de risco em ultrassom morfológico de primeiro trimestre. Esse número geralmente é descrito em frações e significa que:
Risco basal – para bebês que nascem de mulheres com 32 anos, de 437 bebes, 1 terá Síndrome de Down (trissomia do 21), ou seja 1 em 437 ou 1/437 que significa 0,0022%).
Risco corrigido – com essas características específicas avaliadas neste ultrassom (que estava normal), o risco DESSE bebê ter Síndrome de Down é 1/2187 – que significa que de 2187 bebês com essas características, 1 tem a Síndrome, ou, o risco desse bebê com essas características ter trissomia do 21 é de 0,00045%. (Notem que o risco corrigido é muito menor, já que esse é um resultado de um exame normal).
Esse cálculo é mais preciso para as trissomias de 13, 18 e 21 e, eventualmente Turner, por isso que vários laboratórios colocam apenas o risco das trissomia ou, ainda, apenas o risco da trissomia do 21 (Síndrome de Down), que é a mais comum.
O morfológico de primeiro trimestre confirma ou exclui cromossomopatias?
É possível com um morfológico normal afirmar que o bebê NÃO tem síndrome de Down?
Não! Esse exame trabalha com riscos, portanto na melhor das hipóteses você vai saber que o risco do seu bebê ter cromossomopatias é muito baixo, mas não é zero.
A única forma de saber com certeza que o bebê não possui nenhuma condição genética quanto ao número dos cromossomos, seria fazendo exames invasivos (amniocentese ou biópsia de vilo corial) que são contraindicados em gestações normais, já que eles possuem um risco de perda gestacional. Esse risco é pequeno, mas não se justifica se temos um bebê sem nenhum sinal de alteração.
É possível meu bebê ter Síndrome de Down e isso não ser visto no ultrassom?
Sim! Existem alguns bebês com essa cromossomopatia que não apresentam nenhuma malformação estrutural, são anatomicamente normais e não mostram nenhum sinal disso no ultrassom. Essa condição é muito rara e ocorre em torno de 3% dos bebês com Síndrome de Down, isso varia também a depender da qualidade dos ultrassons que você realizou. Se os exames foram realizados por médicos especialistas, na época certa e de forma completa, esse risco é muito baixo.
Se meu exame veio com alto risco isso significa que meu bebê tem Síndrome?
Não! Assim como esse exame não exclui, ele também não confirma nenhum diagnóstico. Quando se tem um exame alterado com um risco aumentado para cromossomopatias deve-se agendar consulta de aconselhamento genético com médico especialista para avaliar se a família quer ou não realizar outros exames que podem confirmar o diagnóstico.
Frente a uma alta suspeita de cromossomopatias deve-se oferecer à gestante os exames invasivos: amniocentese e biópsia de vilo corial.
A família, nesses casos, deve avaliar se deseja ou não a realização desses exames visto os riscos / benefícios.
Existe, ainda, os exames de sangue de pesquisa de DNA fetal no sangue materno (NIPT) que tem uma sensibilidade maior que o morfológico de primeiro trimestre para as cromossomopatias, chegando a 99% de identificação de Síndrome de Down, mas ele também não é um exame definitivo como o cariótipo realizado pelos métodos invasivos.
Cálculo de risco de pré eclampsia
Pré eclampsia é uma doença gestacional que cursa com aumento da pressão arterial após 20 semanas de gestação e alteração de alguns exames laboratoriais como urina e exames hepáticos. Essa doença está presente em cerca de 4,6% das gestações no mundo estando entre as três principais causas de morte materna.
Estudos mostraram que é possível identificar mulheres que estão em alto risco de desenvolver pré eclampsia e tratar essas mulheres na gravidez, reduzindo o risco de desenvolvimento dessa doença e suas consequências para a mãe e para o bebê. O cálculo de risco de pré eclampsia pode ser realizado em diversas fases da gestação, mas o primeiro momento para realizar essa avaliação é no morfológico de primeiro trimestre. Neste momento é possível usar de fórmulas matemáticas que irão definir o risco de cada gestante.
O cálculo de risco de pré eclampsia usa o histórico da mulher (doenças anteriores, doenças de base, etnia, paridade, peso e altura, etc), a avaliação do Doppler das artérias uterinas, medidas da pressão arterial em ambos os braços e duas vezes de cada lado e pode também ser mais completa com a realização de alguns exames laboratoriais (marcadores bioquímicos).
Independente da parte ultrassonográfica desse cálculo de risco, algumas condições de saúde já colocam essa mulher automaticamente como alto risco de pré eclampsia como: IMC > 30 no início da gravidez, hipertensão arterial crônica, lúpus, gestação gemelar, histórico de pré eclampsia em gestação anterior, gestação produto de fertilização in vitro, entre outros.
Mulheres que são identificadas como alto risco para desenvolvimento de pré eclampsia devem ser tratadas com medicação específica (AAS e cálcio), segundo recomendação de seus médicos, pois foi comprovado que o uso dessa profilaxia diminui a chance da gestante ter pré eclampsia precoce (antes de 34 semanas) e quadros mais graves.
Um planejamento adequado e identificação precoce da gravidez é muito importante para que a gestante se programe e não perca a data da realização desse exame tão importante!
Assistam abaixo um vídeo sobre esse tema em que eu explico de forma mais detalhada esse exame morfológico!
Dra Amanda Loretti estudou medicina na Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, e foi nessa mesma instituição que realizou suas residências médicas em Obstetrícia, Ginecologia e Medicina Fetal. Depois de formada ainda realizou especialização em Ginecologia Endócrina e hoje em dia atua principalmente em obstetrícia humanizada, ginecologia e sexualidade. Atende presencialmente em seu consultório em São Paulo, ou via telemedicina.